Temos seguido atentamente as diversas etapas do nosso velejador açoriano, picoense de nascimento, Genuíno Madruga na sua viagem à volta do mundo. Dá-nos um prazer imenso ler e reler o seu diário de bordo e as suas opiniões sobre os diversos lugares por onde tem passado. Só um homem como o Genuíno tem uma visão tão abrangente e vivaz sobre as pessoas e as terras já visitadas. Os pormenores que nos transmite, quer através do diário de bordo ou das entrevistas no programa da antena nove aos sábados, quer ainda das imagens que envia por e-mail elucidam-nos sobre todas as nuances da viagem. Desde os peixes apanhados nas primeiras etapas até às imagens captadas dum dos maiores pássaros do mundo, o albatroz, tudo nos faz chegar para que tenhamos um conhecimento perfeito do que se passa na viagem.
Pudemos acompanhar, quase em directo (só faltavam as imagens) a sua passagem pelo Cabo Horn, graças às tecnologias de comunicação existentes hoje, que nos permitem mesmo a esta distância mantermo-nos em contacto com o navegador.
Com este testemunho actual podemos ter uma ideia mais aproximada do que seria navegar nos mares da Patagónia há quinhentos anos, sem instrumentos fiáveis, com barcos de madeira frágeis, sem o auxílio dum motor, sem cartas de navegação, sem a ajuda do satélite, sem a companhia dos amigos através da rádio, telefone ou internet, enfim, sem nada.
Com esta proeza o Genuíno ajuda-nos a compreender a história da navegação e a história das descobertas, levadas a cabo por portugueses que, como ele, não se acomodaram no conforto dos seus lares mas partiram em busca do desconhecido, desafiando a natureza no seu âmago mais austero para que o mundo fosse conhecido por todos.
A têmpera dos homens do mar está entranhada no Genuíno. Tivesse ele vivido nos tempos áureos das descobertas e teria capitaneado uma das naus que levaram Vasco da Gama à Índia.
Rumando agora para a ilha de Páscoa depara-se pela frente 4000 milhas náuticas de Pacífico até às ilhas Marquesas na Polinésia. São mais de 6500 quilómetros em oceano aberto sujeito a grandes calmarias que foram há uns séculos um dos grandes inimigos dos navegadores.
Sempre tivemos uma grande admiração pelos “aventureiros”. Desde tenra idade e apesar da pouca comunicação com o mar devido à localização geográfica da freguesia onde fomos criados, sempre vimos com interesse os pequenos veleiros que cruzavam os mares da ilha das Flores em busca de porto seguro, depois de longos dias a atravessar o Atlântico. A principal rota das terras da América ou do Canadá para a Europa passa necessariamente pelas Flores, não fosse esta ilha a ponta mais Ocidental da Europa. Embora a maioria dos iates demandasse o porto da Horta, não raras vezes, para abastecimento ou para descanso a ilha das Flores apresentava-se como um oásis no meio do Atlântico.
Tivemos oportunidade de conhecer alguns “lobos-do-mar” mas houve um que nos impressionou duma forma especial: Já nos anos oitenta, estávamos em Santa Cruz, quando tivemos conhecimento dum solitário que demandava o porto para descanso e apressámo-nos a ajudá-lo a entrar no difícil porto das Poças. Deparámo-nos com um homem de cerca de sessenta anos, com um barco grande, não posso precisar o comprimento, mas seria um pouco maior que o Hemingway, com dois mastros. O skipper solitário, tinha uma particularidade, não tinha uma mão, provavelmente perdida em acidente do mar já que a sua profissão, da qual já se reformara, fora comandante da marinha mercante inglesa. Com uma habilidade indescritível, como pudemos observar posteriormente na viagem que com ele fizemos das Flores até ao Faial, o homem manejava todo o velame do barco apenas com uma mão. A viagem até à Horta demorou vinte cinco horas e foram seis os tripulantes a quem ele ofereceu o passeio. Da aventura, nunca nos esquecemos e do capitão apenas fixamos o seu primeiro nome: Jack.
José Costa
In “Jornal do Pico”